Poucas sensações se comparam àquela de ver uma lenda do rock ao vivo. Com Sir Paul McCartney, o choro foi a resposta instantânea, o salgado das lágrimas me lembrando que aquele era um ex-Beatle, mais vivo do que muito artista atual com seus vinte e poucos anos.

Ontem, Sir Eric Clapton não me arrancou lágrimas, mas só porque o blues de sua guitarra era tão envolvente, que não dava espaço para minha emoção se materializar. Mas justiça seja feita, já que o blues não saía só de sua guitarra, mas também dos instrumentos lindamente tocados por sua incrível banda.

A noite era de blues e o setlist foi moldado por suas diversas vertentes. O começo enérgico entusiasmou o público com o blues vivo de canções como “Hoochie Coochie Man”, releitura deliciosa da clássica de Muddy Waters.  O ápice veio com a romântica Old Love, quando a banda exacerbou sintonia e talento e quando mais um solo incrível de Clapton foi seguido pelo primeiro solo de orgão. A partir daí, os solos de orgão e teclado tornaram-se tão frequentes e frenéticos quanto os de guitarra.

Sir Clapton, cheio de estilo e naturalidade, era o único guitarrista no palco e parecia estar se divertindo, mesmo que sempre mantendo o profissionalismo às vezes confundido por frieza. Trocou sua famosa Stratocaster azul por seu Martin acústico. Lembrou o Cream com “Badge”e o Derek & The Dominos com algumas, entre elas uma versão acústica lindona de “Layla”. E terminou o show homenageando os dois artistas tão crucias para sua carreira, com “Cocaine” de J.J. Cale e “Crossroads” de Robert Johnson.

O virtuosismo do hoje consumado bluesman e deus da guitarra satsfez o anseio do público então saudoso, deixando de ruim apenas a sensação de quero mais.

Como brasileiros, estamos acostumados com a intensidade da cultura do futebol; já nascemos enfiados em macacões estampados com os brasões dos times dos papais e vemos nossas semanas girarem em torno das noites de quarta-feira e das tardes de domingo. E é no estádio que essa cultura se materializa, onde o vício transforma-se em espetáculo, estrelado por bandeirões, gritos, cantorias, palavrões e unhas roídas.

Ao passar uma temporada nos EUA, frustei-me ao perceber que o alcance dessa cultura era limitado. Mais recentemente, em temporada na Alemanha, reencontrei a força dessa paixão e vi como ela influencia nitidamente uma cultura tão distinta da tupiniquim. Cultura essa lineada pelo histórico de guerras perdidas e conseqüentes processos longos de recuperação estrutural, econômica e mesmo cultural. E é tudo muito evidenciado na frieza do povo alemão, frieza que é apenas aparente, à princípio, como se um escudo representando a força e o corretismo deles, que cai logo que se conhece melhor qualquer alemão. O povo é, atrás desse escudo, simples, contente e orgulhoso, só talvez um pouco quadrado dentro de tanta civilidade. Mas não adianta, o que se vê nas ruas, principalmente na percepção de uma estrangeira, são caras fechadas, excesso de seriedade, e a falta que se sente de ver um sorriso, ouvir uma gargalhada, é enorme. E aí, depois de alguns meses vivendo com essa frieza diária, fui assistir o meu primeiro jogo de futebol no país. Eu já sabia que a paixão por futebol era presente, pelos papos e pela repercussão na mídia, mas a surpresa veio mesmo ao ver no estádio a frieza dando lugar à uma alegria tão forte, digna de qualquer torcida latina. O jogo era uma simples rodada da Bundesliga, entre dois times estancados ali no meio da tabela, o FC Köln e o St. Pauli. Na casa do segundo, o Millerntor-Stadion em Hamburgo, em dia gelado de final de janeiro, o jogo contava com algumas estrelas como Podolski e Gerald Asamoah, mas o espetáculo ficou por conta do St. Pauli, que ganhou de 3 a 0, e de sua torcida, famosa por dar a alma por seu time. É tradição: quando joga em casa, o time entra em campo com a música Hells Bells do AC/DC, momento arrepiante que leva a torcida à loucura. O futebol derrubando o escudo frio alemão. O vídeo ai embaixo dá um gostinho.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

*Rápido adendo ao post anterior, para quem aderiu à psicodelia de “Bitches Brew” ou simplesmente admira seu idealizador. Criada pelo Cité de la Musique, centro parisiense dedicado à música, a exposição “Queremos Miles – Miles Davis, lenda do jazz” chega ao SESC Pinheiros, no ano de aniversário de 20 anos da morte do músico. A mostra celebra a grande contribuição de Miles à música no século XX através de fotos, objetos e documentos, muitos deles inéditos. Em cartaz do dia 19 de outubro próximo a 25 de janeiro de 2012, a exposição ainda guiará o visitante pela trajetória do trompetista e compositor através de instalações com vídeos e músicas de diversas fases de sua carreira. Na Rua Paes Leme, 195, Pinheiros, de terça a domingo, sem precisar por a mão no bolso. (http://www.sescsp.org.br/)

 

*But I digress.

Seguindo os ares iniciais deste blog, a sugestão de hoje fica por conta da influência psicodélica no funk, protagonizada pelo excêntrico George Clinton. Influenciado pela subjetividade delirante do rock psicodélico de Jimi Hendrix, pela loucura cósmica do jazzista Sun Ra e por sua própria raíz Motown, Clinton recrutou sua banda, na época formada por feras como o guitarrista Eddie Hazel, e criou dois projetos paralelos, o Parliament e o Funkadelic. Ambos projetos deram origem ao P-Funk, o desdobramento transgressor e provocativo do ritmo na década de 70. O Parliament seguia uma linha mais comportada e acessível, desenhada pelo dançante funk groovado e pelo soul. Já o Funkadelic, como sugere o nome, flertava com o rock psicodélico, incluindo densos solos de guitarra. O álbum “One Nation Under a Groove”, de 1978, é um exemplo claro do inusitado estilo, tecnicamente sofisticado e simultaneamente imperfeito e bruto. A quarta música do disco, “Promentalshitbackwashpsychosis Enema Squad (The Doo-Doo Chasers)”, soa tão abstrata quanto seu nome, delineada por virtuosos sons de guitarra e sintetizador, uma levada funk devagar e desconexas vozes que remetem à loucura de Frank Zappa. A letra escatológica compara o mundo à uma privada. Incrivelmente deliciosa.

 

A famosa “Give Up the Funk (Tear the Roof off the Sucker)” do Parliament é mais digerível e um sucesso nas pistas. É a sexta música do ufológico e célebre álbum “Mothership Connection” de 1975 e igualmente incrível.

Afinando os ouvidos!

Em agosto de 1969, dias após o êxtase gerado pelo Festival de Woodstock, Miles Davis entrou em estúdio para tornar-se precursor de mais um movimento do jazz. Com uma nova banda de futuros gênios, incluindo John McLaughlin, o trompetista iria revolucionar a estética do jazz ao caldea-lo com o rock e produzir o álbum duplo “Bitches Brew”.  Desenvolvendo-se a partir do virtuosismo frenético do bebop, da leveza e romantismo do cool jazz e da serenidade bacana do modal jazz, o jazz-rock de Davis teria a inusitada presença do piano e da guitarra elétricos, assim como de outras técnicas eletrônicas. As influências vão do funk de Sly and The Family Stone ao acid rock de Jimi Hendrix, cujos longos solos remetem à improvisação tensa e livre da melodia de “Bitches Brew”. A psicodelia e controvérsia estão presentes até na capa, idealizada pelo artista Abdul Mati Klarwein, que posteriormente desenhou capas de discos para outros artistas, como Santana. Por causa do sucesso desse disco, Miles tornou-se o primeiro jazz man a sair na capa de uma Rolling Stone. O álbum inteiro é incrível!

O jazz rock do trompetista foi uma válvula para o surgimento do jazz fusion, o estilo que mistura jazz e ritmos como rock, blues e funk. Um dos maiores representantes desse gênero é o incrível Head Hunters, do pianista Herbie Hancock. Outro álbum que vale a pena!

Let me jump in your game.

Começa aqui uma tentativa de revolver assuntos entusiásticos a quem vos fala e compartilhar o resultado em forma de opinião, informação ou trivialidade. O foco é música, sempre da boa, com um pézinho no futebol e esporádicas aventuras por outros campos da cultura pop.

Logo de cara, claro, homenagens aos principais motores desse blog.

Primeiro, a deliciosa música que inspirou seu nome, da banda inglesa Fujiya & Myagi, cujo clipe lembra o também incrível de “Fell in Love with a Girl”, do The White Stripes, eternizado por aquele da mente sem lembranças, Michel Gondry.

 

E um momento inesquecível na história do maior time de futebol brasileiro e sua incrível torcida. 5 de novembro de 1976, semifinal do Campeonato Brasileiro contra o Fluminense, quando 70 mil corintianos protagonizaram a “Invasão da Fiel Torcida” ao Maracanã. Depois do empate em 1 a 1, a vitória veio por 4 a 1 nos pênaltis. Lindo.